segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Festivais como um Produto Mercadológico




Mesmo com a decadência dos festivais, a televisão em especial, colhe ainda hoje, frutos da época em transmitia e até influenciava no desenrolar dos mesmos. Grande parte do desenvolvimento televisivo brasileiro, foi alcançado graças à MPB, através dos festivais, os quais, como já foi dito, eram(inicialmente) transmitidos pela TV Excelsior, prosseguiram na TV Record. Esta última, no auge dos grandes festivais, chegou a ser chamada de “TV dos festivais” (ou “TV dos musicais”) evidenciando a forte relação entre a TV e os festivais, embasada na grande audiência que estes eventos proporcionavam. Foi também deste enlace entre o mundo televisivo e a música que se possibilitou o surgimento do chamado “iê iê iê”, estilo melódico e letrista menos engajado da MPB. Porém, essa nova forma de fazer música apresentava-se perfeita aos moldes de televisão, pois, teria uma maior capacidade de penetração e reprodução, chegando assim com mais facilidade a almejada audiência. O ““iê iê iê” teve como principais representantes, Erasmo, Wanderléia, Roberto Carlos, entre outros. Estes, formando a chamada Jovem Guarda, compunham inspirados basicamente nas canções dos “Beattles”, que por sua vez, em suas canções, utilizavam de recursos musicais de puro cunho fonético como o “iê iê iê”, daí o nome do movimento.
Em contra partida, nascia também a Tropicália que teve Caetano Veloso e Gilberto Gil como principais representantes. Essa corrente de expressão vinha com o intuito de resgatar ou confirmar a brasilidade musical, além de algum viés político, já que era impossível manter-se indiferente à ditadura militar vigente na época. Contudo, aproveitando seu caráter musical, a TV Record passou também a realizar shows com astros internacionais como Marlene Dietrich, Louis Armstrong e a criar programas como Bossaudade e Jovem Guarda. Assim, aproveitava-se de um mercado altamente lucrativo, já aberto e consolidado pelos festivais da canção.
Essa potencialidade financeira dos festivais ficou ainda mais evidente, quando começaram a ser produzidos no Brasil os primeiros discos de vinil (78 rotações). Assim logo, logo começaram a ser vendidos nos shows e lojas, garantindo uma maior efetividade do caráter consumidor do público dos grandes festivais. Com todo esse viés mercadológico, os festivais que no início eram apenas transmitidos pela TV, passaram agora a ser produzidos por ela. A articulação das transmissoras junto às gravadoras e outros órgãos interessados na constante expansão do mercado de consumo musical, foi aos poucos invadindo e subjugando o cenário dos festivais. Iniciativas como a da Secretaria de Turismo de Guanabara, que criou o “FIC – Festival Internacional da Canção” - com intuito de estimular o turismo na região – deixavam claro o aproveitamento dos eventos musicais com o intuito lucrativo.
As gravadoras, que no início recusaram-se a investir nos festivais, agora patrocinavam (ainda que não oficialmente) candidatos, chegando até a contratar “torcidas de aluguel” com objetivo de alavancar os artistas de suas “preferências”. Um dos grandes exemplos do uso desse tipo de recurso foi o festival de 1967, quando Jair Rodrigues foi desclassificado por causa da pequena torcida de sua gravadora. Torcida esta que, após a invalidação de seu “candidato” dedicou-se a vaiar qualquer artista que subisse ao palco, demonstrando assim nenhum comprometimento com o evento. Assim, os festivais foram perdendo toda a sua essência, e se antes eram uma forma de protesto contra a ditadura, ou instrumento de descoberta de uma nova identidade musical, passaram a assumir um caráter meramente comercial. Os shows e os cd´s perderam a qualidade, pois passaram a ser produzidos em escala industrial e de acordo com as “necessidades” de mercado. Já os artistas que antes atuavam com liberdade, ficaram sob a autoridade das gravadoras e redes de televisão, sendo obrigados a obedecer às regras e determinações impostas por elas.

Tentativa de retomada dos Festivais


Durante as décadas de 80 e 90, na tentativa de restaurar a era de Ouro dos Grandes Festivais, foram promovidos eventos semelhantes, mas não obtiveram a mesma repercussão entre o publico. Dentre esses, os mais conhecidos são: “Festival dos Festivais” de 1985, que contou com mais de 10.000 músicos inscritos e que projetou a cantora Tetê Espindola, o “Globo de Ouro” que revelou talentos como Lobão, Legião Urbana, Titãs, 14-Bis, Blitz e Eduardo Dusek e o "Festival da Canção da Globo".
As críticas a estes e aos outros festivais foram voltadas à influência das gravadoras e a conseqüente busca por lucros, acarretando a falta de inovação na produção musical. O “Festival da Globo” que ocorreu no ano 2000, exemplifica muito bem tais argumentos, a maior evidência é fato de não ter consagrado nenhuma talento. Neste último festival foram convidados artista famosos, com o intuito de alavancar a audiência em constante declínio. Além disso, o corpo de jurados foi formado por figuras como: João Araújo (presidente da Som Livre) Patrícia Polumbo (produtora musical) e o jornalista d´O Estado de São Paulo, Mauro Dias. A música eleita pelo juro como campeã foi: “Tudo Bem Meu Bem”, um rock composto e interpretado pelo gaúcho Ricardo Soares. No entanto, esta sofreu severas vaias da platéia, cominando em gritos do gênero “É marmelada...”. Desde então, os não houve outra tentativa de promover um evento do gênero, pelo menos não pelas grandes emissoras nacionais da atualidade.

Festivais: Canções e protestos


Além de impulsionar carreiras de grandes artistas como Elis Regina, Chico Buarque e Caetano Veloso, dentre outros, os festivais propiciaram a divulgação de mensagens de cunho sócio-político, contribuindo para o surgimento de uma nova postura na produção cultural brasileira.Numa época em que o país apresentava um panorama marcado por restrições à liberdade de expressão (quando era crime criticar ou fazer qualquer comentário oposto à ideologia governamental), alguns artistas passaram a mobilizar o grande público, por meio do talento, criatividade e uma série de canções repletas de protestos e ideais. Seja na letra, no ritmo escolhido ou na interpretação, as músicas traziam algum aspecto de crítica social e muitas metáforas, numa linguagem simbólica que era muito clara aos ouvidos de quem vivia todo aquele drama.
Todas essas críticas e provocações acabaram por desencadear sérios conflitos com o governo ditatorial. As tensões se tornaram ainda maiores após o III Festival Internacional da Canção, promovido pela Rede Globo em 1968, onde tiveram destaque músicas “anti- ditadura” como “É proibido proibir” de Caetano Veloso, “Questão de ordem” de Gilberto Gil e principalmente “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores” de Geraldo Vandré, que transformou-se num hino de luta contra a repressão.
A vitória determinada pelos militares, da música “Sabiá” de Tom Jobim e Chico Buarque causou uma grande insatisfação entre o público, que extasiado, entoou uma grossa vaia quando o júri decretou o vencedor. O autor de “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores” engoliu sua decepção e a do público, que se solidarizou com ele, e bradou: “A vida não se resume só a Festivais. Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Hollanda merecem toda a nossa consideração.” Os protestos com temáticas revolucionárias acabaram por resultar no decreto do AI-5 e no exílio da maioria dos cantores da época.
A repressão foi se tornando cada vez maior e no ano de 1969, vários incêndios se espalharam pelos estúdios das emissoras do Rio e São Paulo, como também em seus teatros. Um exemplo disso é o caso do incêndio no Teatro Record – a emissora sofreu três incêndios em menos de um ano.
No entanto, é importante ressaltar que mesmo com toda a repressão os Festivais eram ainda um eficiente meio de divulgação de talentos e ideais. As pessoas assistiam, comentavam e opinavam, era o assunto do momento. As músicas se tornavam mais conhecidas por meio deles, uma vez que, naquela época, gravar um disco e poder distribuí-lo não era tão simples. O disco de Vandré, com a faixa “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores” por exemplo, foi censurado, mas nãohavia estudante que não a conhecesse graças à gravação ao vivo no Festival. Aos poucos também, os Grandes Festivais da MPB, como ficaram conhecidos, foram constituindo-se como um marco na história contemporânea brasileira
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Início da Era dos Grandes Festivais




Mais especificamente em 1963, São Paulo, começa a esboçar-se o cenário ideal para o advento destes festivais. Com a chegada de artistas cariocas à capital paulista, somando-se ao surgimento de novos talentos locais (Walter Wanderley, Claudette Soares e César Camargo Mariano, entre outros), foi possível a realização do projeto “Tardes da Bossa Paulista”, idealizado por nomes como: Solano Ribeiro e os jornalistas, Moacir do Val e Franco Paulino. A intenção era promover encontros musicais entre amigos, com intuito de celebrar a boa música e revelar talentos.
Em pouco tempo, devido ao sucesso de público, os encontros foram transferidos para o teatro da Arena, passaram a se chamar “Noites de Bossa”. Depois disso, Solano Ribeiro, agora trabalhando na extinta TV ESCELSIOR, resolve transformar o evento em programa, nasce o “Noites da Bossa Paulista”. Mais a frente, graças ao patrocínio de Walter Guerreiro das “Lojas Eduardo”, o programa integra também músicos do Rio de Janeiro, seria necessário outra vez mudar o nome, sendo agora: Primavera Eduardo É Festival de Bossa Nova. Simultaneamente aos shows televisionados, crescia também o público dos espetáculos no Teatro Paramount, produzidos pelo radialista Walter Silva (destaque para “Dois na Bossa”, show interpretado por Elis Regina e Jair Rodrigues, garantindo três dias de casa lotada).
Toda essa efervescência musical parecia clamar e caminhar naturalmente para realização de um grande festival. Foi assim que, em 1965, inspirado no Festival de San Remo (Itália), acontece o I Festival de Música Popular Brasileira, realizado na TV Excelsior. Acompanhado a tendência, o festival foi um grande sucesso, tendo como vencedor, Edu Lobo cantando “Arrastão” (letra, Vinícius de Morais). Iniciava-se então, a era dos grandes festivais da canção, cada vez mais disputados e acompanhados pela população, vislumbrando novas possibilidades musicais com o advento da MPB. No ano seguinte, foi realizado ainda pela TV Excelsior, o II Festival de Música Popular Brasileira, que teve como vencedora a canção “Porta-Estandarte”, de Geraldo Vandré e Fernando Lona, nas vozes de Tuca e Airto Moreira.
O movimento continuava a crescer, tomando dimensões até então não alcançadas. E dois anos após o golpe militar, as canções já começavam a espreitar o cunho político, assumindo também o papel de contraposição em relação ao rock que aos poucos chegava ao Brasil.

O contexto histórico dos Festivais


As décadas de 1960 e 1970 caracterizam os momentos mais importantes dos Grandes Festivais de Música no Brasil, sendo este período marcado por situações turbulentas na área política e social do mundo. Em razão disto, os jovens estudantes tiveram papéis importantes em contraposição às políticas dos seus países.

Em Praga a luta era em oposição à postura do governo Tchecoslovaco à influência da extinta União Soviética; nos Estados Unidos da América os protestos eram desaforáveis a Guerra do Vietnã; na França a briga era contra o presidente De Gaulle. Até mesmo o governo moderado alemão sofreu com a ação de combate as posturas políticas e sociais do país.

Entretanto, deve ser lembrado que neste período o mundo encontrava-se bipolarizado, no auge da Guerra Fria; capitalismo versus socialismo, Estados Unidos versus União Soviética. As nações se viram diante de uma postura que os interpelavam a tomar atitudes que interfeririam no caráter social, político, econômico dos seus países.

Sendo assim, no Brasil, o impacto das políticas mundiais intervieram com quase a mesma intensidade; a ação dos estudantes, contudo, não foi diferente, e a postura em oposição ao regime ditatorial - implantado após um golpe militar de 64, trazendo o General Camilo Castello Branco ao comando do país – sofreu as mais variadas formas de protestos. Durante os 21 anos em que esta federação foi comandada pelos militares, ela tornou-se palco de muitas manifestações contra o autoritarismo deste regime.
Enfim, é neste contexto e talvez graças a este, que se inicia a era dos grandes festivais de música popular brasileira (cuja abreviação daria nome a um novo estilo musical genuinamente brasileiro, a MPB).